quinta-feira, 14 de junho de 2012

Contrassenso



Vejo todos os dias as mais diversas abordagens sobre o tema 'mobilidade urbana'. Fico bastante impressionado com a falta de entendimento do poder público, setor privado e demais segmentos da sociedade sobre o caos no trânsito. Propostas coerentes que poderiam resolver de forma eficiente são muitas vezes colocadas em cheque-mate por questões eleitoreiras. Opiniões e chutes são dados de tudo quanto é lado, e claro que todos têm seu grau de importância, mas me pergunto: o que de fato todos esses setores têm feito para a melhoria no tráfego das cidades?

A proposta do uso de bicicletas, construção de ciclovias e instalação de ciclofaixas é bastante sensata e ecologicamente correta, porém são tratamentos paliativos e acabam por desviar a atenção do que verdadeiramente mais precisamos: melhorar a qualidade do transporte público de massas.

O terceiro setor dispara críticas acres contra o poder público pela morosidade das propostas e execução de projetos sociais. Mas, em muitos casos, não tem ele iniciativas próprias que possam contribuir para resolver os problemas. Ou seja, muitos dos que criticam não pegam ônibus todos os dias para o trabalho. O caos urbano se instala de tal modo que todos reclamam menos o governo, sacudido por ondas intermináveis de protestos. Lucra mesmo o setor automotivo, que multiplica sua presença nas cidades ao deter o elo mais poderoso da corrente da economia.

Recentemente foi anunciado pela presidente Dilma Rousseff, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a liberação de R$ 32 bilhões para a mobilidade urbana nas grandes cidades de 18 Estados da Federação.  Pode ser este o pontapé inicial que o Brasil dará na tentativa de corrigir tardiamente o desastre que é o sistema  de transporte brasileiro. Só para se ter uma ideia, na cidade norte-americana de Nova Iorque, que possui um dos melhores serviços que conheço, são aproximadamente 400 quilômetros de metrô para quase 8,5 milhões de habitantes. Na região metropolitana de São Paulo são apenas 70 quilômetros de malha metroviária para seus 20 milhões de habitantes. É uma disparidade enorme!

O Brasil do contrassenso da mobilidade urbana ficou muito bem representado nesta com o recente pacote de medidas que o governo federal propôs para aquecer o consumo e combater os efeitos da crise financeira internacional. Entre as medidas, está a que beneficia o setor automotivo e a produção de bens de capital com redução de até sete pontos porcentuais do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para a venda de carros. Ora, justamente o transporte individual que transborda as ruas das cidades e acaba contribuindo para o problema em questão é o grande beneficiado. E para o transporte coletivo, qual incentivo? Está mesmo o governo federal em sintonia com todos os ministérios para uma gestão realmente sustentável?

A corrida às concessionárias em busca do sonho do carro novo está mais que aquecida. Quem não sonha em ter o carrão para em dias de folga poder sair com a família a bordo do veículo reluzente e cheiroso? Ou ainda poder ir ao trabalho no conforto e evitar os empurrões, falta de segurança, incômodo e o mal intencionado cidadão que fica na sua cola dentro dos ônibus e metrôs?

O cenário desastroso pode ser visto em Goiânia, onde o tempo gasto no trânsito é notório e chega ao absurdo.  Recente pesquisa mostra que o transporte coletivo na rede metropolitana que liga 18 municípios é bastante satisfatório, porém, o serviço na capital deixa a desejar: a velocidade de tráfego dos veículos beira a sete quilômetros por hora e, por experiência própria, a média de espera nos pontos de ônibus chega a 40 minutos. Em horários de pico, é comum uma multidão a disputar o mesmo espaço. As soluções encontradas, como ampliação de corredores de ônibus e a retirada de carros das vias primárias, agora congestionam as vias secundárias onde a Agência Municipal de Trânsito tem multado sem dó.

Vários são os problemas que afetam o trânsito de Goiânia. Além da falta de transporte coletivo, contribuem os adensamentos erroneamente defendidos e acatados no Plano Diretor da cidade, que permite construções nas proximidades das principais vias de trafego pela contrapartida financeira da Outorga Onerosa do Direito de Construir que visa o adensamento causando intenso trafego não somente nos horários de pico.

É certo que se não formos capazes de implantar, de forma rápida e eficiente, uma política voltada para a mobilidade urbana, Goiânia irá reforçar ainda mais a estatística do contrasensso. A busca de alternativas para solucionar o caos urbano é uma necessidade cada vez maior para  a sustentabilidade das cidades e melhoria da qualidade de vida da comunidade.